segunda-feira, 30 de julho de 2012

Morrer para Renascer

Por Lúcios Packter

  Se uma pessoas maltrata outra, bate nela e faz com que passe por tratos aviltantes, está cometendo um crime, segundo as leis. Se, por meio de tantas afrontas, acaba matando a outra, então, aparentemente, é ainda mais grave e estamos diante de um homicídio. UM ser humano não pode fazer isso com outro ser humano.
  Pois um suicida faz exatamente isso com um ser humano: ele mesmo.
  Essas leis costumam ser diferentes do ponto de vista filosófico clínico. Ana Karenina (personagem do romance de Liev Tolstoi), ao tirar a própria vida, na realidade matou o conde Vronski e, sob a alegação de ter se matado, obteve a condescendência de muitos-ainda que tenha mutilado a vida do conde.
  Ludwig van Beethoven morreu pouco depois de 1798, acometido pela surdez, conforme contou no testamento Heiligenstadt. Lá, está registrado que ele apenas formalizaria sua morte com o que a humanidade chama de suicidio. Mas, na realidade, ele não chegou a isso talvez porque já estivesse cometendo a idéia remota que teria sobre o homicídio.
  Johann Wolfgang von Goethe, em seu romance Die Leiden des jungen Werther, leva jovens inconformados com a sorte de Werther a fazerem o que talvez o próprio Goethe desejou e não efetivou por causa de Charlotte Buff, noiva de um amigo. É de se questionar se ele não o fez de fato, com o que houve a partir da leitura da obra.
  Guy de Maupassant, que nos deixou registrado o desespero no qual viveu em Le Horla, muito provavelmente morreu, renasceu e se matou inúmeras vezes, tantas quantas matou os outros.
  Quando Ingmar Bergman, em 1955, com o filme Sorrisos de uma noite de amor - que de sorriso tem pouco - retirou parte da esperança de um estudante, ali houve um assassinato. Mas quantos renasceriam Suécia afora com a série Fanny e alexander...
  Pequenos homicídios podem fazer com que a pessoa evite consequências maiores. Foi mais ou menos isso o que aconteceu com Franz Brentano quando, em 1873, deixou o sacerdócio. Alguns meses depois, publicou Psychologie vom empirischen Standpunkte trazendo seu conhecimento de intencionalidade, e uma coisa tem profundamente a ver com a outra.
  Talvez nossa morte ocorra a cada busca que chega a um termo, a cada avanço e a cada recuo, a cada vivência; talvez, morrendo aqui e ali, algumas pessoas consigam seguir vivas.
  Acreditei por muito tempo que Claude Monet precisou morrer para as sombras como forma de nascer para a cor, para a alegria, por volta dos 15 anos, com as gravuras de Hokusai, a pintura de Eugène Boudin. Este convidou Monet a sair dos gabinetes para pintar ao ar livre: homicídio da sombra, nascimento da luz.
  Quanto amor precisou morrer, e possivelmente foi assim, para que em Mein Kampf Hitler pudesse nascer ódio e rancor.
  As coisas, às vezes, misturam seus conteúdos em porções difíceis de divisar. Franz Schubert, provavelmente, morria enquanto nascia, e prosseguiu. Inspirado pela melodia, pois suas composições traziam os demais elementos como adorno a este, em seu último ano de vida - conforme socialmente chamamos vida - teve o ápice de seu crescimento, arrebatando o que havia para ser com o duo para piano, a fantasia em fá menor, mais as canções Schwanengesang.
  Morrer pode trazer grande bem à vida da pessoa; em muitos casos, pode ser uma recomendação médica, filosófica-clínica.
(revista filosofia vida & ciência)
  

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